Inquieto e confuso, o adolescente inicia uma busca pela própria identidade ao perceber que sente atração por outros homens. Quando pede conselhos ao primo mais velho, escuta: "Você é normal. Confie em mim. Esses... sentimentos... vão desaparecer. É só não se entregar a eles. Reze. Peça a Deus para lhe dar força e, quando você se der conta...".
A solução que Horace encontra, perdido em meio a ideias e opiniões conservadoras, é transformar-se em um pássaro. Para isso, e tentando fugir de sua realidade, ele mergulha em livros medievais de bruxaria na biblioteca da escola. O feitiço que executa, escondido do avô, vai levá-lo a caminhar nu, com uma espingarda, em transe pelas estradas escuras de Tims Creek, confrontando seu passado, seus desejos e suas crenças.
A melancólica memória familiar, um lirismo mágico que parece roçar o terror, além de temas como a herança do regime escravocrata americano e o peso das crenças religiosas nas escolhas pessoais emergem da narrativa com uma força quase sobrenatural. A possessão (ou sedução) demoníaca sofrida por Horace pode ser lida, aqui, como uma metáfora da culpa e da crise dos modelos culturais e sociais que o oprimem, culminando em uma tragédia.
Romance de estreia de Randall Kenan, publicado em 1989 e até agora inédito no Brasil, Uma visita dos espíritos posicionou seu autor como uma nova e poderosa voz da literatura norte-americana, sendo frequentemente comparado a nomes como James Baldwin.
Randall Kenan (1963-2020) cresceu em Chinquapin, na Carolina do Norte, Estados Unidos. Foi professor na Universidade Columbia, na Universidade do Mississippi e na Universidade de Memphis, entre outras instituições. É autor do volume de contos Let the Dead Bury Their Dead, finalista do National Book Critics Circle Award em 1993, e de Walking on Water, obra de não ficção sobre os afro-americanos no final do século XX.