A nova pandemia que assola o mundo na década de 2020 é avassaladora, mas, por outro lado, expõe algumas fraturas que até então foram deixadas a compressas mornas. Nesse cenário internacional, o Brasil também não está imune ao novo vírus; pelo contrário, o país assiste a uma crise política colossal em meio ao caos e os conflitos históricos veem à tona para engrossar o caldo de uma convulsão social no país. Em um momento tão crítico como esse, Bernardo Kucinski presenteia os leitores com mais uma grandiosa obra, Julia: nos campos conflagrados do Senhor. A sétima obra de ficção do autor é uma aventura que se passa em um período obscuro da sociedade brasileira: a ditadura civil militar. Dentre as personagens, o destaque é o de Júlia, uma bióloga pesquisadora que, por um acaso, acaba mergulhando no passado de sua família, que era até então desconhecido pela jovem. Após o falecimento de seus pais, Júlia entra em conflito com seus irmãos, Beto e Jair, para não vender o luxuoso apartamento da família, pois, para Júlia, as memórias ali presentes eram valiosas demais para serem deixadas ao esquecimento. Durante reformas no apartamento, Júlia descobre um estojo metálico no qual encontra-se um passado muito caro a sua família e à sociedade brasileira, e é nesse momento que Kucinski, com maestria, nos envolve em sua narrativa sobre as atrocidades do regime militar instaurado no Brasil. Utilizando-se de fatos históricos, o enredo desperta no leitor a mesma ânsia, e também o receio, que Júlia sente ao se debruçar sobre as fontes que lhe fazem reconstruir um passado obscuro e inimaginável para ela. A genialidade de Kucinski é sempre surpreendente. A cada obra, o autor traça um paralelo com a realidade que nos traz muitos questionamentos pertinentes para o tempo presente. No contexto atual, em que o negacionismo ganha mais espaço no mundo, sobretudo nas arestas de uma suposta "terra plana", a obra de Kucinski não nos deixa sucumbir às fraturas expostas na sociedade, pelo contrário, nos dá um diagnóstico necessário para o tratamento de nossas cicatrizes. Brunno Moura Graduado em História pela UNIFESP