"Se nem todo filÃŗsofo deve ser historiador, seria ao menos desejÃĄvel que todo historiador se tornasse filÃŗsofo". Essa frase do inglÃĒs Edward Gibbon (1737â1794) encontra-se em seu escrito de estreia, Ensaio sobre o estudo da literatura, espÊcie de discurso do mÊtodo da histÃŗria filosÃŗfica, tal como praticada por seus predecessores: TÃĄcito, Montesquieu, Hume. O volume que o leitor tem em mÃŖos traz pela primeira vez em lÃngua portuguesa esse escrito de juventude, cujo carÃĄter polÃĒmico e estilo vigoroso caem bem a um jovem autor cheio de ambiçÃŖo e confiança. Em defesa da nova histÃŗria, Gibbon nÃŖo hesita em se contrapor a Diderot e d'Alembert, que na EnciclopÊdia haviam reduzido a histÃŗria a uma disciplina da memÃŗria. Contra essa banalizaçÃŖo, Gibbon mostra que o gÃĒnio do historiador reside, sobretudo, no juÃzo acertado na escolha e interpretaçÃŖo dos fatos. Contra Rousseau, ele defende a dignidade da investigaçÃŖo aprofundada das transaçÃĩes polÃticas e militares e das maneiras dos homens, contra a hipÃŗtese arbitrÃĄria de um estado de natureza descolado da historicidade, que nos dispensaria de aceitar a histÃŗria como instÃĸncia que faculta a compreensÃŖo da natureza humana. Tendo meditado sobre essas questÃĩes de fundo, o jovem Gibbon se lança no estudo das fontes e documentos que permitem compreender a experiÃĒncia histÃŗrica em filigrana. A primeira peça de carÃĄter histÃŗrico por ele redigida, em 1764, Ê uma pequena obra-prima, que atesta o surgimento de um talento extraordinÃĄrio. Numa dissertaçÃŖo atÊ hoje insuperada, Sobre os triunfos entre os romanos, Gibbon pÃĩe em açÃŖo o mÊtodo divisado poucos anos antes e reconstitui com precisÃŖo e vivacidade um ritual perdido, cujo sentido ele depreende de uma interpretaçÃŖo laboriosa de fatos esparsos, porÊm conclusivos. Em 1776, surge o primeiro volume daquela que serÃĄ a sua obra-prima, e um dos grandes livros da literatura moderna: DeclÃnio e queda do ImpÊrio Romano. Completado em 1784, esse estudo monumental apresenta nada menos que um painel das causas que levaram ao desabamento da maior, mais imponente e mais longeva estrutura de poder jamais vista sobre a terra, fiando-se pela hipÃŗtese â que serÃĄ demonstrada ao longo do livro â de que esse evento foi decisivo para a histÃŗria subsequente, incluindo-se aà a da Europa moderna e de sua expansÃŖo pelo globo. A traduçÃŖo parcial de DeclÃnio e queda para a lÃngua portuguesa (um clÃĄssico de JosÊ Paulo Paes) exclui duas dissertaçÃĩes de interesse para essa tese geral, uma delas sobre os germÃĸnicos, a outra sobre os citas, ou hunos, ambas incluÃdas neste volume. Pedro Paulo Pimenta