"Naquele desgraçado inverno a Holanda converteu-se em miserável charco
sobre o qual incessantemente caísse uma chuvinha peneirada por buracos
de agulhas. Toda a gente concordava em que não havia, ali, memória de
estação assim temperada, aquosa e lôbrega. Durante os meses de dezembro e
janeiro nunca se apagou a iluminação pública e nas ruas mais
desafogadas de Amesterdão os transeuntes, que pareciam evolucionar
dentro de um infindável aquário, para se reconhecerem necessitavam
socorrer-se dos candeeiros, a cuja luz indecisa ainda assim mal se
divisavam feições sob o imprescindível abrigo dos capuzes de borracha.
Formavam então grupos de fantasmáticos escafandros, que, observados à
distância, trocavam silenciosamente gestos deformados e a breve trecho,
desfeitos, como que se desvaneciam por entre os húmidos véus de gases
crepusculares, ininterruptamente agitados e suspensos do céu tenebroso."