A Bíblia narra a curiosa história de Jó, que perdeu tudo, é rejeitado pelos seus, abandonado por Deus, e se lamenta por sua desgraça. Ela apresenta também os diálogos entre Jó e aqueles que se dizem seus amigos. A tradição concede pouca atenção a esses diálogos, não obstante revelam a verdadeira dimensão social de Jó: o bode expiatório de sua comunidade. Como Édipo, ele deve seguir "a rota antiga dos homens perversos", que conduz à morte sacrificial. Recusando-se a entrar no jogo de seus algozes, Jó desvela o funcionamento vitimário dos perversos primitivos. Mas as discussões que se estabelecem entre Jó e seus amigos lembram particularmente as caricaturas de processos aos quais se entregam, à nossa vista, os regimes totalitários: mesmas acusações de perversão, mesma necessidade de confissões da vítima, mesmo desprezo pela verdade. Nesse sentido, o antigo livro de Jó permite a René Girard analisar com clareza e precisão o fenômeno totalitário que tenta ressuscitar um religioso violento e primitivo. Tentativa essa tanto mais assustadora do que mentirosa, já que todos sabemos, há dois mil anos, que as vítimas são inocentes.