Partindo de suas pesquisas conhecidas como genealógicas e se estendendo até os seus últimos cursos no Collège de France, que tratam das questões concernentes à constituição do sujeito ético, Michel Foucault realiza seis importantes análises da tragédia de Édipo-Rei. Nelas, entrecruzando com diferentes temas de análise, o pensador francês recorda que a manifestação da verdade no interior da peça de Sófocles depende necessariamente de indivíduos que possam afirmar: eu vi com meus próprios olhos e eu escutei com meus próprios ouvidos. Do alto de seu poder autocrático, que se manifesta a partir do novo método de investigação profana, metódica e paciente, o qual se dispõe a interrogar testemunhas, a reconstruir a memória, a investigar os fatos e que desafia os deuses, Édipo é aquele que tudo viu e tudo ouviu e por isso tudo sabe e tudo pode, mas ao final da peça é obrigado a se exilar, andando a esmo através do mundo na noite de sua cegueira. Passando pelos deuses, pelos reis e pelos escravos, é o desvelamento da verdade que o leva a furar os próprios olhos e, para sempre, abrir os ouvidos para o destino que lhe era reservado. Há ainda uma pergunta que precisa ser feita: pode-se falar de um "Édipo de Foucault"? Provavelmente não, exatamente porque o propósito do pensador francês era o de, por um lado, desmitificar o drama sofocliano, libertando-o de qualquer forma de interpretação universal, para, por outro, compreendê-lo como a história do complexo sistema de coações que sustenta, desde a Grécia, o discurso sobre a verdade no Ocidente. Mas é inegável que, mantendo um diálogo sólido e criativo com um conjunto de estudiosos clássicos da peça – alguns deles seus interlocutores diretos –, é possível colocá-lo, com Corneille, Voltaire, Hegel, Nietzsche, Hölderlin, Freud, Lacan, Heidegger, Borges, Deleuze, no rol dos grandes comentadores da mais importante tragédia de todos os tempos. E o que talvez, finalmente, ele nos proponha é revisitar constantemente essa milenar obra fundamental para que possamos, ao melhor estilo foucaultiano, realizar uma constante e necessária ontologia do presente.