Publicado originalmente em 1932, Amai e... não vos multipliqueis é um grito de protesto contra todas as formas de autoridade que oprimiam e oprimem as mulheres: a família, a Igreja, o capitalismo e os governos fascistas — e também o próprio feminismo, o comunismo ou qualquer tentativa de combater uma autoridade colocando outra em seu lugar.
O livro é uma coletânea de artigos que Maria Lacerda de Moura, pioneira do feminismo anarquista, escrevia para o jornal O Combate. Os textos têm como interlocutores contemporâneos da autora no cenário político da época, à esquerda e à direita, em um Brasil e um mundo tão ou mais polarizados que os de hoje, quando comunistas e integralistas se enfrentavam fisicamente nas praças do país e o fascismo avançava na Europa.
Para contrapor-se à associação entre fascismo, machismo, clero e capitalismo, Amai e... não vos multipliqueis defende o amor como via de emancipação, sobretudo para as mulheres: escolher quem amar, poder amar mais de uma pessoa, escolher ser ou não ser mãe eram meios de libertá-las das garras do patriarcado — mais eficazes, segundo a autora, do que a conquista do direito ao voto pelo qual lutavam Bertha Lutz e o movimento sufragista brasileiro.
Com isso, o livro vincula a questão da emancipação feminina à luta pela emancipação do indivíduo no capitalismo industrial, o que o aproxima do feminismo da década de 1960 e abre um amplo espectro de possibilidades de diálogo com o feminismo atual.
Maria Lacerda de Moura (1887-1945) foi professora, escritora, anarquista e feminista. Formou-se professora pela Escola Normal Municipal de Barbacena e participou de esforços para enfrentar a questão social através de campanhas nacionais de alfabetização e reformas educacionais.
A partir de seu trabalho como educadora teve contato com as ideias renovadoras da médica feminista Maria Montessori e dos pedagogos anarquistas Paul Robin, S é bastien Faure e Francisco Ferrer. Participou de movimentos associativos feministas, mas rompeu com eles por entender que a luta pelo direito de voto respondia a uma parcela muito limitada das necessidades femininas. Foi colaboradora frequente da imprensa operária e progressista de São Paulo.
Em sua obra tratou de temas como a condição feminina, amor livre, direito ao prazer sexual, divórcio, maternidade consciente, prostituição, combate ao clericalismo, ao fascismo e ao militarismo. (Foto: Arquivo Nacional/Fundo Correio de Manhã)
Mariana Patrício Fernandes é professora do Departamento de Ciência da Literatura e pesquisadora do programa de pós-graduação de Ciência da Literatura da Universidade Federal do Rio de Janeiro ( ufrj ) . É uma das coordenadoras do Laboratório de Teorias e Práticas Feministas do Programa Avançado de Cultura Contemporânea da ufrj . Pesquisa a relação entre escrita e corpo a partir dos vínculos entre literatura, dança, história e feminismo. É organizadora do livro Veredas argentinas: ensaios à margem da literatura (7 letras, 2007) e tradutora de Mensagens revolucionárias (2020) e A perda de si: cartas de Antonin Artaud (2017, junto com Ana Kiffer), ambos de Antonin Artaud.