Diariamente, três vezes ao dia, os alunos marcham em duas fileiras alinhadas, cantando louvores a Kim Jong-il e à Coreia do Norte: “Sem você, não há pátria. Sem você, não há nós.” É uma cena arrepiante, mas aos poucos Suki Kim também aprende a melodia e, sem perceber, começa a cantarolá-la. O ano é 2011, e todas as universidades da Coreia do Norte passariam um ano inteiro fechadas. Todos os alunos seriam mandados para canteiros de obra, exceto os 270 alunos da Universidade de Ciência e Tecnologia de Pyongyang (UCTP), um complexo murado onde retratos de Kim Il-sung e Kim Jong-il, impassíveis, observam tudo das paredes de cada cômodo.
Na UCTP, Suki aceitou o emprego como professora de inglês e, nos seis meses seguintes, faria três refeições por dia ao lado de seus jovens pupilos – a quem se refere como “soldados e escravos” – e se esforçaria para ensiná-los a escrever. Sob o olhar atento do regime, Suki leva uma vida solitária e claustrofóbica. Suas cartas são lidas por censores e ela deve esconder suas anotações e fotografias não apenas dos guardiões, mas também de seus colegas. Ser pega significaria a morte. No entanto, Suki consegue armazenar e esconder anotações em um pen drive que leva em seu pescoço.
A facilidade com que os alunos mentem e a obediência deles ao regime deixam Suki ao mesmo tempo angustiada e perplexa. Na perspectiva deles, tudo na Coreia do Norte é maior, mais alto e mais delicioso. E, ainda assim, é inevitável amá-los. Aos poucos, Suki começa a insinuar a existência de um mundo além do deles – mencionando atividades exóticas como navegar na internet ou viajar livremente e, de forma ainda mais perigosa, a democracia eleitoral e outras ideias proibidas em um país onde a punição para desertores é a tortura e a morte. Os alunos, por sua vez, oferecem a Suki noções atormentadoras de suas vidas, desde seus pensamentos sobre como impressionar as garotas até a decepção com o fato de os jogos de futebol serem transmitidos apenas quando a seleção norte-coreana vence. Quando Kim Jong-il morre, os alunos ficam devastados e levam Suki a questionar se o abismo entre o mundo dela e o mundo deles poderá ser superado um dia.
Suki Kim é uma jornalista investigativa, romancista premiada, ensaísta e a única escritora que já se infiltrou na Coreia do Norte, em uma experiência de jornalismo imersiva. Nascida e criada na Coreia do Sul, Kim tem viajado para a Coreia do Norte desde 2002 e, em 2011, passou seis meses disfarçada, morando em Pyongyang com os futuros líderes do país durante o último ano do reinado de Kim Jong-il. Suki Kim atualmente mora em Nova York e já teve suas obras traduzidas para o holandês, francês, coreano, japonês e português.