Como se Raduan Nassar - esse filho de libaneses que fez poesia do romance - fosse recriado na procacidade do vidrinho do argentino Luis Gusmán, os fragmentos de Vertigens despejam as suas imagens a partir de uma erótica que mama de vários leites estrangeiros e, centralmente, da poesia como estrangeira da língua, ou da poesia entendida como exercício de "exílio" da prosa. O resultado: um português gozosamente inventado e, portanto, desencaixado de todo imaginário de correção e regionalização, dúctil para acompanhar a fluência de cenas de uma corporalidade fugidia e nua. Poderíamos nos perguntar se, em Vertigens, os corpos são a língua (puro imaginário) e os corpos habitados pelo desejo a poesia, mas a vertigem está aqui precisamente na nunca tornada ilusão de movimento, na imobilidade de um corpo que vê-se, contudo, sacudido pelo movimento, tropo, da metáfora. Então: nada de respostas, nada (o quase nada) de enredo ou de intrigas. Fita e não filme, Vertigens opera então, nas caminhadas desse olho algo reflexivo, certa persistência, um ritornello pelo qual o antropofágico final poderia se colar ao inicio, como se nada finalmente tivesse acontecido e a instantaneidade da imagem ganhasse da progressão da prosa, pois sempre houve aqui menos uma amalgama que uma luta amorosa, o impossível acasalamento ou copula do corpo e da letra, impossibilidade que impulsiona o desejo e que convoca não só (algo neobarrocamente) os materiais escorregadios (lesma, salivas, geleias) que neste percurso (ao gosto do leitor) vamos tocando, mas principalmente a própria língua, fluida e aberta a um dizer poético do mundo. - Pablo Gasparini Professor de literatura hispano-americana da FFLCH-USP